Sua Majestade, o Poço de Monitoramento

Durante o Gerenciamento de Áreas Contaminadas (GAC), muitas decisões são tomadas, em muitas etapas. A área está contaminada? Existe algum risco à saúde humana? Precisa ser remediada? Como? Atingiu as metas de remediação? Está reabilitada para o uso pretendido? Posso colocar pessoas para morar lá? São questões muito importantes social, ambiental e economicamente e devem ser respondidas após coleta e interpretação de dados da área.
No Brasil, na imensa maioria das vezes, possivelmente em mais de 90% das situações, os dados que embasam todas essas decisões vêm de um único instrumento: o poço de monitoramento, personagem de maior veneração de toda a cadeia do GAC. Por isso, pode ser chamado de "Sua Majestade".


Mas: de onde vem essa veneração? A resposta é complexa, mas vou dar uma resposta: vem da tradição incrustada em toda a cadeia do GAC de considerar que a investigação de uma área contaminada é simplesmente investigar (mal) a água subterrânea, por meio do único instrumento capaz (segundo o Mercado) de fornecer informações sobre esse meio: Sim, Sua Majestade, o Poço de Monitoramento. Como ponto positivo dos poços de monitoramento, podemos reconhecer que, se adequadamente instalados (projeto e execução), são tecnicamente defensáveis e fornecem amostras de água repetíveis e representativas da unidade hidroestratigráfica onde o poço está instalado (retornaremos a esse tema).

Quantas vezes já ouvimos frases como: "a área foi bem investigada; foram instalados mais de X poços de monitoramento..." ou "para investigar essa área vamos precisar de Y poços de monitoramento", ou "precisamos melhorar essa investigação instalando mais Z poços de monitoramento". Ou seja, Sua Majestade é sinônimo de investigação no Brasil.

Mas há vários pontos errados nessa veneração, e essas falhas levam certamente a decisões erradas, portanto, a respostas erradas àquelas questões centrais dentro do GAC.

Inicialmente, a primeira grande falha nessa história é que o solo não pode ser negligenciado na investigação, muito pelo contrário. Sobre esse tema discorremos bastante em outros textos, como esse aqui, mas basicamente, a maior massa de contaminação, cerca de 99% está de alguma forma ligada ao solo, e uma má investigação desse meio, ou uma investigação que somente avalie a água subterrânea, negligenciará a maior massa. Além disso, a investigação da área fonte prevê que seja encontrada a fonte secundária, ou seja, o solo contaminado que contém a massa imóvel (os 99% citados). Não é crível, em uma situação normal, que haja concentração (a famosa "pluma") dissolvida na água sem que haja no solo (saturado ou não saturado). Provavelmente o que acontece é que a massa imóvel ainda não foi encontrada, e instalar mais 1000 poços de monitoramento não vai ajudar a encontrar essa massa. Os principais motivos dessa massa não ser encontrada também podem ser vistos nesse outro texto.

A segunda grande falha decorre da primeira, que é a negligência na identificação e delimitação das unidades hidroestratigráficas. A DD-038 obriga o Responsável Técnico a quantificar a massa e delimitar tridimensionalmente as plumas de todas as Substâncias Químicas de Interesse (SQIs) em todos os meios em todas as unidades hidroestratigráficas. Se não há uma identificação dessas unidades, o estudo não estará correto.

A terceira decorre da segunda e é, no meu entendimento, a principal causa da falha em considerar o poço de monitoramento o único instrumento de investigação: muito raramente os poços de monitoramento são instalados na unidade hidroestratigráfica relevante para o estudo, como dissemos nesse outro texto. A escolha errada da unidade hidroestratigráfica para ser a zona-alvo do poço de monitoramento, ou a simples não-escolha dessas zonas-alvo, além de não obedecerem o item básico da norma NBR 15.495-1, tampouco obedece a DD-038 e é tecnicamente errada, pois o poço de monitoramento instalado em várias unidades hidroestratigráficas basicamente não serve para nada, ou seja nenhuma informação obtida dele pode ser utilizada em uma tomada de decisão. Infelizmente, quase todos os poços de monitoramento são instalados dessa forma, sem preocupação com as unidades hidrostratigráficas, o que os torna inadequados para tomadas de decisão. Os poços são instalados com 3 metros de seção filtrante (mais pré-filtro), não afogados, portanto, nenhuma informação confiável pode ser obtida deles.

Há ainda os muitos erros de execução, pois os poços de monitoramentos são instalados, em sua maioria, com ferramentas erradas, sem revestimento, sem desenvolvimento preliminar, sem controle da posição do pré-filtro e do selo sanitário, sem dimensionamento das ranhuras do tubo-filtro e do pré-filtro, enfim, com muitos erros na execução, que se somam aos erros de projeto. Mas isso fica para outro texto.

Em resumo: no Gerenciamento de Áreas Contaminadas, muitas decisões com grandes impactos no meio ambiente, saúde humana, sociedade e economia são tomadas com base em dados da área de estudo. Praticamente todos os dados que embasam as decisões vêm de um único instrumento, os poços de monitoramento (Sua Majestade) que, se fossem bem projetados e instalados, forneceriam informações sobre a água subterrânea da área. Isso por si só já é uma falha, pois ignora grande parte da massa de contaminantes, que está ligada ao solo. Mas as falhas de projeto na esmagadora maioria dos poços de monitoramento instalados no Brasil fazem com que os dados obtidos neles, consequentemente, nas investigações, não sejam defensáveis, portanto, esses dados não servem para as tomadas de decisão. Podemos dizer, então, que O Rei, Sua Majestade está Nu, e precisamos de outras formas de obter dados relvantes de uma área contaminada.




Marcos Tanaka Riyis
Novembro, 2018





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