Áreas Contaminadas - Parte 2 - O Responsável Legal



Na primeira parte do nosso texto introdutório sobre o Gerenciamento de Áreas Contaminadas, trouxemos a principal definição do que é uma área contaminada e qual o significado desse tema. Soubemos que o limite seguro para a exposição a uma substância química é determinado por dados toxicológicos baseados no eventual dano à saúde humana causados por aquela substância. Vimos também que a CETESB estabelece padrões para 86 substâncias químicas, a USEPA, para 822 substâncias, porém, existem mais de 140 milhões de substâncias químicas cadastradas no CAS.



Nessa segunda parte, vamos falar sobre os principais custos envolvidos no processo de gerenciamento das áreas contaminadas e nos mecanismos que garantem que esses custos serão pagos para a reabilitação dessas áreas.
Como ideia de grandeza, observem os custos abaixo:

- US$ 1,5 Bilhões: Orçamento anual do Superfund (USEPA)
- R$ 5 Milhões: Total de multas relacionadas com áreas contaminadas emitidas pela CETESB no ano de 2017
- R$ 500 a R$ 2.000 por tonelada de solo contaminada: Estimativa de custos de remediação de uma área contaminada no Brasil
- R$ 10-20 Mil/mês: Custo mensal de um sistema simples de remediação (MPE) em um posto de combustível
- R$ 45 Milhões: Custo estimado de uma remediação termal em processo de implantação no Brasil



Pode-se perceber que são valores bem elevados, e não são considerados “investimento” pelo setor produtivo, mas sim, “custo perdido”, ou “externalidade”.
Mas quem desembolsa esses recursos?
No Brasil, quem tem o dever de fazer a reabilitação de uma área contaminada é a figura do “Responsável Legal”, que, na definição atual e aos olhos da legislação, é todo aquele que, direta ou indiretamente se beneficiou da contaminação, não só aquele que efetivamente causou a contaminação.
Uma primeira ideia, para quem não conhece o assunto, o Responsável Legal seria aquele que, por dolo, culpa, negligência, imprudência ou imperícia, tenha causado o aumento da concentração de substâncias químicas no solo, água, ar, edificação, etc até níveis que possam causar dano à saúde humana ou outro bem a proteger. Mas não é assim que funciona. A realidade, para as áreas contaminadas, é bem mais complexa. Basta que se tenha uma área comprovadamente contaminada, que todos aqueles que se beneficiaram direta ou indiretamente da contaminação e/ou da área, serão responsáveis da mesma forma, incluindo: quem mantinha a atividade potencialmente poluidora; o proprietário da área; o superficiário; quem financiou a atividade; o agente econômico com mais recursos na cadeia de fornecimento da atividade (deep pocket), entre muitos outros, e seus sucessores e herdeiros, desconsiderada a pessoa jurídica, de acordo com a Política Nacional do Meio Ambiente [1].



Além disso, existe também a obrigatoriedade da averbação da contaminação da área na matrícula do imóvel, e pelo menos na cidade de São Paulo, a necessidade de um parecer favorável da CETESB (ou seja, a área contaminada ou suspeita não pode oferecer nenhum risco à saúde humana) para que seja concedido o “Habite-se” para imóveis que tenham mudado de uso (industrial ou comercial para residencial), tornando o assunto mais claro e quase impossível de esconder dos órgãos reguladores, do Poder Judiciário e da sociedade como um todo.
Para uma indústria ou outro empreendimento com potencial para ser uma área contaminada, como um Posto de Combustível, existe a exigência do equacionamento do Gerenciamento de Área Contaminada para que a licença ambiental seja renovada. Outro dispositivo legal importante é a exigência, para empreendimentos potencialmente poluidores, de um plano de desativação para as empresas que pretendam encerrar as atividades naquele imóvel. Esse plano de desativação, nessa situação, obriga o Responsável Legal a entregar a área somente se não houver concentrações de substâncias químicas acima do “limite de segurança” discutido no nosso texto anterior. Isso também ajuda a eliminar um argumento do Responsável Legal do tipo “não vou arcar com os custos da reabilitação da área, prefiro mudar o meu empreendimento de local (ou de estado, ou de país)”, pois a obrigação de reabilitar a área ainda permanecerá, mesmo se o empreendimento mudar.

O leitor irá perceber que eu resolvi não entrar no “juridiquês” nesse texto, citando leis, decretos, e resoluções, não por serem informações menos importantes, mas porque o objetivo do artigo é falar dos princípios que definem quem são os Responsáveis Legais por uma área contaminada e os elementos que fazem esse Responsável Legal arcar com os custos da reabilitação da área. Porém, recomendo que o leitor leia atentamente pelo menos dois textos legais: O Artigo 225 da Constituição Federal [2] e a Política Nacional do Meio Ambiente [1].



Além da questão legal, o Responsável Legal também é motivado a arcar com os custos da sua área contaminada por razões econômicas. Obviamente as questões legais também possuem interface econômica, mas aqui estamos tratando de assuntos fora da seara jurídica.
Um dos atores importantes no mercado de áreas contaminadas é a indústria, e a demora na obtenção, renovação, ou até da suspensão das licenças ambientais,  gera grandes prejuízos econômicos diretos. Além disso, muitas certificações ambientais exigem que os passivos ambientais decorrentes das áreas contaminadas estejam sendo adequadamente gerenciados e contabilizados, e algumas indústrias internacionais têm que obedecer diretrizes de suas matrizes que as obrigam a arcar com os custos do gerenciamento das áreas contaminadas. Por fim, uma eventual desvalorização do seu patrimônio (o imóvel) também é um fator economicamente relevante que move as indústrias para evitar ficarem com uma área contaminada (ou suspeita) sem ação efetiva para sua reabilitação.



O Setor da Construção Civil é outro ator importante, pelo lado dos Responsáveis Legais. Particularmente em grandes cidades, como São Paulo, com um passado industrial importante, esse setor vem promovendo uma intensa mudança no uso do solo [3], transformando antigas áreas predominantemente industriais em empreendimentos residenciais. E antigas áreas industriais significa alto potencial de contaminação, portanto, para que o setor da Construção Civil possa vender seu produto, precisa reabilitar a área, ou seja, precisa arcar com os custos de tornar a área livre de risco para os futuros moradores do imóvel. Movido pela necessidade legal e por razões econômicas, o setor é um dos grandes responsáveis pela reabilitação de áreas contaminadas, particularmente na cidade de São Paulo.



Por fim, outra razão importante que move os Responsáveis Legais gerenciarem suas áreas contaminadas é a preocupação com a imagem. Ser o responsável pela contaminação de uma área, ou pior, pela contaminação de um aquífero importante certamente causará grandes prejuízos à imagem da empresa, provavelmente maiores que o custo com a reabilitação da área.

Desta forma, podemos perceber que os custos envolvidos no Gerenciamento de Áreas Contaminadas são bem elevados, se comparados com outros custos “ambientais”, mas esses custos são inferiores às perdas decorrentes de não gerenciar adequadamente o passivo ambiental, incluindo aí perdas econômicas, multas, sanções legais e danos à imagem.
O Responsável Legal pela área contaminada não é só quem efetivamente causou o problema, mas todo aquele ligado de alguma forma à contaminação ou ao imóvel. Ele tem a obrigação legal de manter um meio ambiente equilibrado para futuras gerações, e isso inclui eliminar qualquer risco à saúde humana decorrente de alguma substância química manipulada ou armazenada em sua área.


Marcos Tanaka Riyis
Junho/2018


- Texto originalmente publicado no Blog das Áreas Contaminadas, trazido agora para o Site unificado da ECD;




[1] Política Nacional do Meio Ambiente. Lei 6938, de 31 de agosto de 1981;
[2] Constituição Federal. Artigo 225
[3] MORCEIRO, Paulo César. Desindustrialização na Economia Brasileira. Editora Cultura Acadêmica. 2012.
OBS: Há vasta literatura sobre esse tema, essa obra é uma sugestão


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