O Futuro das Áreas Contaminadas Pós-Pandemia (escrito em 26/04/20)

Nessa última semana, as conversas sobre o futuro do Gerenciamento de Áreas Contaminadas (GAC) foi muito discutido em todo o mercado.
Inicialmente com o XVI Painel de Debates, promovido pelo SENAC e AESAS, pela primeira vez em formato de videoconferência não-presencial. Só isso já é motivo para preocupar o mercado que vive essencialmente de trabalhos de investigação e remediação em campo, ou seja, se não é possível realizar os trabalhos em campo, essencialmente não há GAC. Foi um evento grandioso com mais de 600 pessoas acessando a plataforma de transmissão durante as 4 horas de sessão, com pico de 493 acessos simultâneos. As conversas continuaram nos bastidores, e há também um vídeo com a minha participação onde discuto um pouco desse assunto.
Mas as perguntas não param, e as conversas sempre têm como início ou pano de fundo essa situação e o que há de perspectiva para o mercado de GAC. Vamos, então a algumas ideias, levando em conta a data de hoje, 26/04/2020.
Iniciando pela situação da pandemia. Países seriamente atingidos como Itália e Espanha começam a pensar em relaxar as medidas de isolamento, por conta da redução do número de casos, ainda que haja um número muito grande de infectados. Só que a manchete esconde a parte da realidade que nos interessa: o "relaxamento", na Espanha é permitir que crianças saiam de casa até 1 Km de distância acompanhadas por algum responsável (máximo 3 crianças por responsável); na Lombardia, o "relaxamento" será permitir a abertura de supermercados, por exemplo. Em outras partes da Itália, será permitir que fábricas estratégicas comecem a funcionar. Ou seja, a abertura deles é muito mais rígida que a nossa "quarentena" no Brasil. O que isso pode causar?
Pelo que temos visto, a ideia de não adotar o binômio: medidas sérias de isolamento / realização de muitos testes deve levar a catástrofes semelhantes à que vimos na Itália, Espanha, EUA, China e, mais perto da nossa realidade, Equador. O exemplo desses países citados pode ser somado à situação da Suécia, que não adotou isolamento e está colhendo os maus frutos dessa decisão, ao ter uma situação atual muito pior que a das vizinhas Dinamarca e Noruega e também à situação do Japão, que relaxou muito cedo seu isolamento e está vendo os casos crescerem muito rapidamente.
Por outro lado, isolamento + testes tornou a situação confortável em lugares como Alemanha, Coréia do Sul, Vietnã, Nova Zelândia e Argentina por exemplo. No Brasil, estamos vendo o sistema de saúde pública entrar em colapso em Manaus, e no limite em Belém, Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro e na Grande São Paulo, o que, aliado à falta de isolamento e à falta de testes pinta um cenário catastrófico para os próximos meses.
Sendo assim, na minha opinião calcada nessas informações apresentadas, haverá a necessidade de aumentar as medidas de isolamento no Brasil, particularmente no Estado de São Paulo, que é onde se dá a maior parte das ações do Gerenciamento de Áreas Contaminadas. Essa necessidade irá ocorrer porque:
- a realidade irá se impor e os governantes serão obrigados a isso;
- as pessoas irão voluntariamente se isolar ao ver a situação chegando ao limite;
- a cadeia do GAC irá reduzir voluntariamente os trabalhos de campo (essência do GAC);
- haverá uma situação de caos social e sanitário se a situação em SP se aproximar do que foi visto em Guayaquil ou mesmo em Manaus, o que inviabilizaria os trabalhos de GAC;
Por quanto tempo? O leitor pode estar se perguntando agora. Falando por mim, que moro em uma casa com 5 pessoas, sendo uma delas é cardiopata grave, e atendo regularmente (para levar mantimentos e remédios) mais 2 casas com pessoas idosas com mais de 70 anos, o isolamento só acabará quando houver: ou uma vacina ou tratamento eficaz contra o SARS-CoV2, ou o virtual desaparecimento do vírus em SP (para isso, precisamos de testes e de muita sorte). Acredito que boa parte da população e dos envolvidos na cadeia do GAC pense de forma parecida, o que joga a previsão de "retorno" para um horizonte longo de tempo.
Além da pandemia em si, é fato consumado que a economia estará em forte retração por um longo período (as previsões falam, no mínimo, até 2022). Sendo assim, o investimento deverá cair comparado aos números de janeiro/2020 e isso com certeza tem reflexo na cadeia do GAC. Alguns setores foram duramente atingidos, como petróleo, turismo, cultura, transportes, automotivo, transformação, bens duráveis, e outros, bem como suas cadeias de fornecedores. Outros setores sentirão menos, como setor químico e farmacêutico.
O setor imobiliário, nesse momento, continua operando mais ou menos no mesmo nível no que se refere aos projetos de GAC e isso deve se manter por algum tempo, a depender do tamanho da queda econômica (se as pessoas não comprarem imóveis, o setor não constrói, portanto, não adquire áreas, e não investiga/remedia).
Um setor que provavelmente terá um crescimento é o setor de obras públicas, pois o Estado terá, em algum momento, que injetar recursos na economia e as obras públicas certamente serão as primeiras, assim, os licenciamentos dessas obras, nas suas fases iniciais, poderão movimentar o nosso setor.
Ainda sobre a economia, quando há uma recessão, há uma tendência que se priorize a geração de renda, ou seja, todos os esforços são feitos no sentido de uma retomada econômica, ainda que isso traga prejuízos ao meio ambiente, mas também a outros setores e atores que "seguram" o crescimento, como indígenas, quilombolas, patrimônio cultural, histórico entre outros.
Embora a Lina e o Rodrigo, no Painel de Debates e o André, no vídeo que participei tenham explicitado claramente que as leis ambientais estão postas e se alguém não as cumprir estará incorrendo em infrações e até crimes, a tendência de reduzir as exigências ambientais atualmente é muito forte, haja visto notícias internacionais sobre as dificuldades que a USEPA está passando , e notícias sobre o que o IBAMA está passando nas suas fiscalizações, por exemplo.
No caso particular do Estado de SP, todos sabem do estrito entendimento entre o Governo do Estado e o setor produtivo, particularmente o setor industrial e da construção civil, de modo que, em uma hipótese de retração econômica severa no estado, as exigências ambientais podem ser afrouxadas. Ressalto que não tenho evidência disso, pelo contrário, todos da área do direito com quem eu converso me convencem do contrário, mas esse é um sentimento meu, baseado no que está acontecendo com o IBAMA, com a EPA, com a FUNAI, e no episódio do fechamento da fábrica da Ford, em São Bernardo do Campo, onde o governador pessoalmente assumiu negociações para tentar reverter o processo.
Passando agora para o setor de GAC propriamente dito, o cenário atual basicamente é o seguinte:

- A CETESB prorrogou os prazos, o que atendo ao bom senso, mas, na prática do mercado, gerou o adiamento da maior parte dos projetos. A maior parte dos Responsáveis Legais atuam no limite do prazo, e se esse é distendido, há uma grande "tentação" de não fazer;
- As grandes empresas de consultoria e serviços perderam entre 10 e 20% dos projetos, e estão fazendo muito esforço para manter os colaboradores apostando em uma retomada em curto prazo (esse ano);
- Empresas pequenas e médias com poucos clientes: algumas deram a sorte desses poucos clientes manterem os projetos, outras, extremamente dependente de poucos clientes que pararam projetos acabaram tendo severos prejuízos e estão em má situação, fazendo demissões;
- As empresas pequenas e médias com clientes pulverizados, portanto, pequenos, estão mantendo parte do faturamento, porém, com índice cada vez maior de inadimplência, portanto, estão também com sérias dificuldades e demitindo;
- As empresas pequenas que atendem postos de combustíveis ou indústrias metalúrgicas do setor automotivo estão em situação muito ruim, praticamente zerando o faturamento;
- As empresas que atuam com mercado imobiliário não sentiram muito a queda na demanda por enquanto, bem como as empresas com grandes contratos com o setor público, ou com indústrias muito grandes. Algumas dessas até estão investindo;
- Projetos em andamento de remediação foram, na sua maioria, mantidos. Novos projetos de remediação foram praticamente todos paralisados;
- Investigações em andamento foram mantidas em grande parte, mas muitas foram interrompidas;
- Novos projetos de investigação praticamente não existem, apenas alguns projetos que necessitam de complementação estão sendo programados;
- Monitoramentos semestrais de água subterrânea de março/abril foram quase todos cancelados;
- Quase todas as empresas de consultoria estão trabalhando em home office, colocando os relatórios em dia, dando férias para quem tem direito, gastando o banco de horas, mas uma hora esse "estoque de reserva" irá se esgotar;
- Para não parar totalmente os projetos, há a necessidade de ir à campo. Nesses casos, os trabalhadores do campo são muito mais expostos. Pela queda acentuada na demanda, os preços pagos estão mais baixos e os custos decorrentes da necessidade de proteção extra estão maiores, gerando um achatamento e uma dificuldade extra para o balanço de caixa das empresas;
- As prestadoras de serviço (sondagem, amostragem) sofrem muito mais com a queda dos projetos e também com a alta exposição de seus colaboradores. Essas ficam com um dilema muito grande: preservar seus colaboradores e não conseguir faturar ou aceitar os trabalhos e expor seus colaboradores a um altíssimo risco;
- Novas contratações, investimentos, pesquisa e desenvolvimento, foram praticamente paralisados, gerando uma retração no mercado de empregos na cadeia do GAC. AS poucas contratações são mais uma "dança das cadeiras" do que aumento da equipe;
- Há mais procura por capacitação e treinamento, em parte porque os empregos estão ameaçados e quem os tem quer mantê-los e se capacitar é uma maneira de fazer isso, em parte porque há aparentemente mais tempo para isso;
- As consultorias vão se reinventar. (já estão fazendo) O home office será uma realidade mais premente e o corte de custos acontecerá de forma muito intensa, atingindo certamente a remuneração dos profissionais;
- Haverá no médio prazo uma tendência de processos mais eficientes e análises melhores sobre o custo total do projeto, não só daquela etapa específica. Como exemplo, investigações melhor planejadas e melhor executadas para remediações mais baratas;
- No curto prazo, a tendência será fazer o mínimo possível, ou "o que a CETESB mandou" (se possível, menos);
- Todo o mercado está apostando em uma retomada em curto prazo, mas com um pé atrás sobre quão "curto" será esse prazo. Todas as previsões dos grandes players apontam para isso, o Painel de Debates deixou isso muito claro. Por enquanto as demissões são circunstanciais, por perda nos projetos atuais. Mas, se houver uma reversão generalizada nas expectativas, o mercado sofrerá mais e haverá muitas demissões. Essa reversão poderá se dar pela queda acentuada da economia ou pelo crescimento da pandemia ou por alguma ação da CETESB no sentido de prorrogação de prazos ou diminuição de exigências.

Em resumo, o cenário atual é ruim, mas não há muita saída no momento, a não ser acompanhar o desenrolar dos acontecimentos. Minha recomendação é que as pessoas devem se proteger e ser protegidas em primeiro lugar. Minha torcida é que a pandemia não nos atinja, se atingir que afete o menor número possível de pessoas. Para o mercado de GAC, a minha torcida é que ele cresça e se desenvolva cada vez mais, mas nesse momento, eu apostaria que ele continua existindo, mas com uma retração severa e uma queda acentuada na qualidade até o final de 2021, depois, vai se reinventar e crescer novamente, com formatos diferentes. O mundo já mudou, e todos nós temos que repensar o nosso papel nesse novo mundo

Marcos Tanaka Riyis
abril/2020

Complemento:

- Texto originalmente publicado no Blog das Áreas Contaminadas, trazido agora para o Site unificado da ECD;

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